ROUSSEAU E A EDUCAÇÃO
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ROUSSEAU E A EDUCAÇÃO



Nascemos fracos, precisamos de força, nascemos desprovidos de tudo, temos necessidade de assistência.
Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando adultos, é-nos dado pela educação. Essa educação nos vem da natureza, ou dos homens ou das coisas. O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da natureza. O uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens, e o ganho da nossa experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas.
A educação é uma arte e, sendo assim, torna-se quase impossível que alcance êxito total. A ação necessária a esse êxito não depende de ninguém. Tudo o que se pode fazer, à força de cuidados, é aproximar-se mais ou menos da meta, mas é preciso sorte para atingi-la. Que meta será esta? A própria natureza. Dado que a ação dos três tipos de educação é necessária à sua perfeição, é para aquela sobre a qual nada podemos que cumpre orientar as duas outras. Não encaro como instituição pública esses estabelecimentos ridículos a que chamam colégios. Não levo em consideração a educação da sociedade porque esta educação tende para dois fins contrários e erram ambos os lados.
Só serve para fazer homens de duas caras, parecendo sempre tudo subordinar aos outros e não subordinando nada, senão a si mesmos. Temos que estudar a condição humana. Quem entre nós melhor suportar os bens e o males desta vida, será o mais bem-educado. Daí decorre que a verdadeira educação consiste menos em preceitos e mais exercícios. Começamos nossa instrução quando começamos a viver - nossa educação começa conosco. É preciso generalizar nossos pontos de vista e considerar em nosso aluno o homem abstrato, o homem exposto a todos os acidentes da vida humana. Se os homens nascessem arraigados ao solo de um mesmo país, se a mesma estação durasse o ano todo, se cada qual prendesse o seu destino de maneira a nunca poder mudar, a criança educada para uma única condição estaria bem protegida. Mas dada a extrema mobilidade das coisas humanas, poder-se-á conceber um método mais insensato do que o de educar uma criança para nunca sair do quarto, sempre cercada dos seus? Se o infeliz dá um só passo na terra, se desce um degrau, está perdido. Não se pensa senão em conservar a criança - não basta. Deve-se-lhe ensinar a conservar-se em sendo homem, a suportar golpes de sorte, a enfrentar a opulência e a miséria. Por maiores precauções que tomeis para que esta criança não morra, terá que morrer, um dia. Portanto, é preciso prepará-las para enfrentar a morte. Viver não é respirar, é agir. O homem que mais vive não é aquele que conta com maior número de anos e sim, o que mais sente a vida. Toda nossa sabedoria consiste em preconceitos servis, todos os nossos usos não são senão sujeição, embaraço e constrangimento.
O homem civil nasce, vive e morre na escravidão. Nos países em que não se enfaixam os recém-nascidos (para dar-lhes forma e consistência), onde não se tomam tais precauções extravagantes, os homens são mais altos, fortes, proporcionados. Nos rincões onde se enfaixam as crianças, é onde justamente nascem mais corcundas, mancos, coxos e raquíticos. Do medo que os corpos se deformem com movimentos livres, a sociedade apressa-se em deformá-los, imprensando-os. De bom grado torná-los-iam paralíticos desde que não vivessem totalmente livres e soltos. É preciso meditar sobre esta busca da perfeição tão imperfeita. Suponhamos que uma criança tivesse, ao nascer, a estatura e a força de um homem feito que saísse com todos os seus meios de ação do ventre da mãe como Palas saiu do cérebro de Júpiter. Este homem-criança seria um perfeito imbecil, autômato, estátua imóvel e quase insensível. Este homem formado repentinamente não saberia nada. A diferença entre ele e um homem que se forma gradativamente é uma só: a educação. Ficaríamos surpresos com os conhecimentos do homem mais bronco se seguíssemos seu progresso desde o momento em que nasceu até aquele em que chegou. Se a ciência humana fosse dividida em duas partes, uma comum a todos os homens e outra, peculiar aos sábios, esta seria bem pequena em comparação com a outra. Tudo é instrução para os seres animados e sensíveis.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) filósofo, ensaísta, músico, novelista e enciclopedista, nasceu na Suíça. Autodidata, teve uma vida errante, triste e polêmica. São famosas as discussões que teve com antigos companheiros como Diderot e Hume. Sua mais famosa obra é "Contrato Social". Apesar de os cinco filhos de uma união legítima terem sido entregues a um orfanato ou, talvez, por isto, Rousseau preocupou-se enormemente com o problema das crianças. "Emílio, ou Da Educação" é seu mais importante trabalho neste campo, onde coerentemente suas idéias libertárias e igualitárias conjugam-se com seu pensamento sobre a preparação dos homens para a vida. O texto acima foi extraído e adaptado do primeiro livro de "Emílio, ou Da Educação", em versão brasileira (tradução de Sérgio Milliet, Difel).
Folha de S.Paulo, domingo, 2 de novembro de 1977



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