Para vender, trocar, procurar: Classificados de jornal em sala de aula
Ensino

Para vender, trocar, procurar: Classificados de jornal em sala de aula


Oferece-se ótimo gên. textual p/ usar na sla de aula. Interessados leiam a seguir.
por Iran Ferreira de Melo*

Levar anúncios de classificados para o contexto escolar e aproximá-los da sua real função no meio social: isso ajudaria a pensarmos sobre o funcionamento da nossa língua? Em que medida, professor, o classificado ajudaria a uma efetiva habilidade e consciência na produção, leitura e análise linguística?

É comum escutarmos hoje, nos cursos de formação de professores de língua materna, que nossos antigos mestres ficaram, por muito tempo, presos ao ensino metalinguístico do português. Porém, há duas décadas e meia, a reflexão linguística como forma de interação social está sendo usada nas escolas para substituir aquele tipo de ensino, tendo como propósito fazer com que os alunos se apropriem não só das estruturas gramaticais, mas também percebam e entendam a vastidão de gêneros textuais que os circundam e saibam usá-los competentemente.

Nós compreendemos hoje que o trabalho didático da aula de Português não se deve limitar à classificação e nomeação de formas textuais, mas, sim, fazer com que o aluno perceba as características que constituem os diversos gêneros de texto: sua função comunicativa, onde podemos encontrá-los e qual o seu papel no meio social.

Uma das formas de nossos alunos entenderem o funcionamento da língua portuguesa, conhecêla e estudá-la em seu uso concretizado é levar textos para serem problematizados com eles. Por exemplo, os variados domínios textuais da mídia são grandes fontes. Você já parou para pensar?

Quais são os textos de TV, internet, jornais e revistas que podemos transpor para sala de aula? A resposta pode ser: notícias, propagandas, artigos de opinião, quadrinhos, anúncios de classificado ... Ops! Anúncios de classificados?!

Levar anúncios de classificados para o contexto escolar e aproximá-los da sua real função no meio social: isso ajudaria a pensarmos sobre o funcionamento da nossa língua? Em que medida, professor, o classificado ajudaria a uma efetiva habilidade e consciência na produção, leitura e análise linguística?

Argumentação no classificado

O anúncio classificado é considerado um gênero de texto publicitário. Portanto, na discussão com os alunos sobre sua funcionalidade, é importantíssimo fazer menção ao processo de argumentação que é produzido pelo enunciador, ou seja, explicar por que há uma forte carga persuasiva nesse gênero.

Às vezes, ao observarmos os cadernos de classificados, nos deparamos, de fato, com anúncios desprovidos de qualquer sequência argumentativa, como os relacionados abaixo:

(1) Celta 2p 02 KKC2793 AR.
(2) Celta 2p 02 KKO6292 AR.
(3) Celta 2p 02 KKA9543 AR.

Se excetuado o número da placa, não há nenhum outro elemento que distingue os três anúncios. Ao contrário destes, muitos dos anúncios analisados possuem palavras e expressões que funcionam como operadores argumentativos, a exemplo dos que seguem abaixo:

(4) SALA COMERCIAL 9º andar . Totalmente nascente, Wc, pç condomínio já incluso. Preço a combinar xxxx-xxxx.
(5) AUTOMAR - Clio rt 1.6 16v completíssimo único dono. F: xxxx-xxxx.
(6) Vendo - um super nintendo semi-novo, com 2 controles, 3 fitas r$ 100 xxxx-xxxx.
(7) Vendo bicicleta - marca sundown, 18 marchas, cor vermelha, nova, na caixa. R$ 200 fone: xxxx - xxxx.
(8) Honda Shadow - 2001, 800km. Novíssima. F: xxxx-xxxx.

Em (4) e (5) as palavras nascente e completíssimo, mais do que expor um fato acerca do imóvel e do veículo, expressam uma argumentação que pode vir a influir na decisão do comprador. Em (4) a palavra nascente assevera que a incidência dos raios solares no imóvel ocorre apenas num determinado horário da manhã, o que indica tratar-se de um ambiente menos quente. Além disso, o advérbio de modo totalmente opera como um modalizador, intensificando e argumentando que o imóvel é nascente durante todo ano. Em (5), o sufixo formador de grau superlativo (-íssimo) indica que o veículo dispõe de acessórios que garantem maior conforto e segurança ao comprador (como ar-condicionado, alarme, som e air-bag) em relação a um veículo apenas "completo".

Subsegmentos


O classificado só é chamado assim porque se enquadra exatamente numa classificação feita pelo jornal, estabelecida nesses tópicos e subdividida num caderno específico para anúncios.

Em (6), (7) e (8) adjetivos e expressões como semi-novo, nova na caixa e novíssima, além de expor o estado dos produtos anunciados, argumentam por que o produto está apto a atender às exigências do comprador que almeja adquiri-lo mais do que outros produtos anunciados sem tal qualificação.

Diante desses exemplos, percebemos que a força argumentativa nos classificados se dá, muitas vezes, por meio de marcas morfológicas. Uma sugestão que parece produtiva é, portanto, a abordagem das classes de palavras, como adjetivo e advérbio, e da formação dos vocábulos por meio dos sufixos superlativos, com a finalidade de mostrar a força apelativa do classificado. Isso permite que o aluno conheça os temas pertinentes à área da Morfologia, mas, sobretudo, aponta a importância desse nível gramatical como forma de marcar a argumentação numa realização textual concreta e real.

Leitura do classificado

O classificado impresso funciona categorizadamente em tópicos que o próprio jornal denomina de "seções" e "segmentos" e, de acordo com a empresa jornalística, ainda pode apresentar uma hierarquia esquemática dividida por subseções e subsegmentos . A utilização dessas categorias é condição de excelência para o classificado se realizar; caso contrário, não deve ser denominado como tal, mas sim apenas como um anúncio publicitário.

Diante disso, a leitura desse gênero de texto deve passar por dois momentos:

1. um primeiro, no qual se percebe que, antes de iniciar a leitura do texto propriamente dito, acontecerá a leitura do seu suporte (jornal/caderno). Essa primeira etapa de leitura não poderá ser descartada, pois, com ela, o leitor entende a ordenação/categorização do qual faz parte o classificado;

2. um segundo momento acontece quando o leitor adentra ao próprio gênero e interpreta as abreviaturas a nele presentes.

O professor de Língua Port uguesa, ao utilizar o gênero anúncio clasificado em sala de aula, pode desenvolv er at ividades diferentes de acor do com o nível de ensino:

Ensina-se port. através do gênero class. de jornal. Várias séries. Prof. Especializados.

1. o estudo de palavras adjetivas, apontando a função dessa categoria como forma de persuadir o leitor;
2. a classificação e a verificação do significado das palavras abreviadas:
2.1. verificando quais as formas de abreviatura usadas;
2.2. observando se as abreviaturas seguiram alguma convenção;
2.3. refletindo por que as palavras foram publicadas de modo abreviado;
2.4. discutindo em que outro contexto nós também usamos abreviatura (nesse caso, pode-se falar de um gênero bastante conhecido e usado entre os adolescentes - o chat - e traçar um paralelo entre ele, o classificado e as abreviaturas que os formam).

Essas abordagens são sugeridas tanto para o Ensino Fundamental como para o Médio, distinguindo-se apenas pelo grau de aprofundamento conferido a cada ciclo de aprendizagem. Isso permitirá que o classificado seja bem explorado de acordo com o nível cognitivo do aluno.


O classificado e seus suportes

Podemos encontrar os anúncios classificados, em sua forma de publicação mais prosaica, nos jornais de grande circulação. No entanto, também é possível achá-los por meio da internet em duas formas distintas: nas versões online dos jornais impressos e em sites específicos de classificados.

Dentro da primeira categoria de veiculação na internet, é possível encontrar os anúncios através de um sistema de busca, no qual selecionamos os tipos de produtos procurados; nesse caso, o classificado é transposto do jornal impresso para o suporte virtual, mantendo as mesmas características e formatações. A segunda categoria é composta por sites especializados em publicação de anúncios, que possuem uma divisão em seções e subseções, muito similar a dos jornais impressos. Há ainda sites/provedores com links que conduzem a classificados organizados pelos próprios sites.

É válido salientar que, para o trabalho de sala de aula, há mais praticidade na versão impressa desse gênero. No entanto, não deixemos de lado a internet, pois podemos utilizá-la numa situação em que a infraestrutura escolar permita o acesso a esse outro suporte.

A força argumentativa nos classificados se dá, muitas vezes, por meio de marcas morfológicas. Uma sugestão que parece produtiva é a abordagem das classes de palavras e da formação dos vocábulos por meio dos sufixos superlativos.

Fim de papo

Se as sociedades e culturas são inúmeras e se suas atividades (também inúmeras) são mediadas pela linguagem, os modos de utilização dessa linguagem são tão variados quanto variadas forem as atividades humanas. Diante de tal fato, coloca-se o problema de como as práticas docentes lidarão com essa noção de sociedade e cultura e de que forma prepararão os alunos para atuarem nessa rede de vivência linguística.

O gênero "classificado de jornal" pode ser um dos materiais de que nós, professores, dispomos em nosso cotidiano para oportunizarmos meios de acesso a essas inúmeras culturas enredadas por práticas sociais e linguísticas específicas, como as atividades de vender, trocar ou procurar.

Revista Língua Portuguesa




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