Desejo de encadear letras
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Desejo de encadear letras



Desejo de encadear letras

Cristóvão Giovani Burgarelli

Doutor em Lingüística; Membro do Espaço Psicanalítico de Goiânia e Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: [email protected]

Linguagem é o que faz falar o ser. O texto escrito pode ser tomado como equivalente ao inconsciente, pois, em suas dobras, em seus desvios, o sujeito está incessantemente convocado a forjar seu próprio ser-sujeito, suas identificações. Ler é fazer trabalhar o texto, o próprio tecido do velamento; é situar-se num vazio, que convoca um fluxo inesgotável de atribuições de sentido. A transmissão é, sobretudo, transmissão de desejo, pois há uma hiância irredutível entre o que se diz (ou se ensina) e o que se ouve (ou se aprende); ela constitui-se a partir de um esquecimento que só passa a operar em seu retorno, com a implicação, é claro, de um sujeito desejante. A escrita, ao apropriar-se dos efeitos do significante, cava sulcos no real, e a letra, porque marca o corpo, recorta no e para o ser falante tanto aquilo que do significante se forja para um sujeito (os efeitos da língua) quanto a memória de um gozo perdido, que, à revelia desse sujeito, vai-se responsabilizar pela sua verdade.

De um lado, temos que o sujeito é uma invenção a ser sustentada permanentemente e, de outro, que, das condições concretas para essa invenção, esse engendramento dinamicamente remissivo ao Outro, resta algo que não cessa de não se escrever, a verdade. No inconsciente, há um ponto nodal que se chama desejo e se situa na dependência da demanda do Outro. A coisa acontece mais ou menos assim: porque a demanda se articula em significantes, ela deixa um resto metonímico, o desejo, que correrá como que por debaixo dela e funcionará como a condição, "ao mesmo tempo absoluta e impegável" (Lacan, 1985, p. 146), para que um sujeito possa situar-se. Conforme comenta Lacan, trata-se de um elemento necessariamente em impasse, insatisfeito, impossível e desconhecido; um elemento pelo qual a pulsação do inconsciente se liga à realidade sexual, pois é a partir do ponto em que o sujeito deseja que a conotação de realidade pode-se dar na alucinação, ou seja, a partir daí a realidade, supostamente dessexualizada, só pode ser abordada com os aparelhos do gozo; como o sexual e o linguageiro vêm aí incidir-se, este será sempre um gozo interditado.

A fantasia e o desejo causam-se reciprocamente. "O sujeito se situa a si mesmo como determinado pela fantasia" (Lacan, 1985, p. 175). Quando a criança, o infans, busca reencontrar o objeto original de sua primeira satisfação, não há outra maneira de fazê-lo senão fantasiando-o, imaginando-o ou alucinando-o. O desejo se constitui nesse próprio movimento fantasmático que tem como suporte os objetos da pulsão, a que Lacan chamou de objeto a, objeto causa do desejo: o seio, as fezes, a voz e o olhar - objetos que compõem uma série.

No seminário 11, ele indaga:

Será que não vemos na metáfora freudiana encarnar-se essa estrutura fundamental - algo que sai de uma borda, que reduplica sua estrutura fechada, seguindo um trajeto que faz retorno, e de que nada mais assegura a consciência senão o objeto, a título de algo que deve ser contornado? (LACAN, 1985, p. 171.)

Nessa leitura que Lacan faz de Pulsões e destinos da pulsão, há uma indagação interessante: o que se dá na passagem de uma pulsão a outra (oral, anal, escópica, etc.)? Como situar historicamente a pulsão invocante? A partir dessas questões, ele poderá dizer que, no processo de causação do sujeito, há um ponto em que intervém algo que não é do campo da pulsão, o desejo, um ponto de reviramento da demanda do Outro. E sua leitura continua, com conseqüências. Segundo ele, a distribuição dos investimentos significantes instaura, no sujeito, hiâncias nas quais se situa o inconsciente. É o mesmo que dizer que entre a realidade e o sujeito se põe o inconsciente, ou ainda, que a pulsão tem seu papel no funcionamento do inconsciente, pois algo no aparelho do corpo é estruturado da mesma maneira: numa unidade topológica das hiâncias que se põem a jogar.

O lúdico, que se presentifica no brincar tanto com o corpo quanto com a materialidade lingüística, não é sem as referências gramaticais em cujo cerne se encontra o artifício. Desse modo, pode-se entender que a pulsão se define como um vazio, incluído no coração da demanda, que será ocupado por um sujeito. Mas esse vazio não é o nada e, sim, efeito de linguagem, efeito da palavra sobre o corpo. Eis aí, portanto, um ponto de vinculação entre a estrutura da linguagem (a sua gramática) e os atos empreendidos pelo sujeito com o seu corpo. No período de alfabetização, o que está em jogo no movimento de entrada da criança na escrita encontra-se bem vinculado ao que está em jogo também no seu próprio corpo. Trata-se do momento de a criança, na medida em que a leitura e a escrita vão-se tornando correntes, libertar-se do corpo da mãe. Na borda do Édipo, ao assumir o falo como significante, a criança se confronta com a ordem simbólica das trocas, cujo pivô é a função paterna (cf. LACAN, 1995, p. 204).

Pode-se fazer aqui uma relação com o que Bergés diz sobre a letra: "[...] é em torno desse vazio deixado pelo real da letra que a pulsão escópica do leitor vem girar no jogo incessante da cadeia significante que faz avançar no texto, e não sobre o texto: é desse movimento pulsional que o apetite da leitura se sustenta". (BERGÈS, 1987, p. 122)2

Vê-se nas letras escritas um procedimento homólogo ao do complexo de castração. As bordas dessas letras, como as do corpo, precisam ser erotizadas para que passem a formar cadeias. Há aí, portanto, algo bem diferente do que se pode ver na fala cotidiana, em que, devido à sua linearidade, as letras se apresentam como uma imitação direta da fala. Conforme comenta Pommier (1993, p. 324), trata-se de uma topologia ordinariamente invisível, mas que "permite compreender que é preciso esquecer a imagem (escópica ou acústica) para que o texto a ser lido apareça no lugar desse apagamento". É o que se dá também com a imagem do corpo, que precisa ser recalcada para que apareça em seu lugar "essa escrita do gozo perdido que é o sintoma" (p. 325). Em ambos os casos, são as bordas que fazem escrita, na medida em que um corte, um traço, incide sobre uma consistência imaginária, seja da letra-imagem, seja do corpo-sintoma.

Podem-se arriscar alguns exemplos para elucidar a discussão proposta por este texto. E pode ser interessante reportar-se primeiramente a certo grude3 muito comum entre as mães e suas crianças, sobre o qual o relato a seguir pode dar testemunho:

Fala de um filho (oito anos), conforme relatada por sua mãe:

Mamãe, eu lembro de quando eu estava dentro da sua barriga. Era tão quentinho e aconchegante. Eu não queria ter saído de lá. Mas foi ficando muito apertado e eu não podia mexer e eu tinha vontade de esticar um pouquinho, por isso que às vezes você pensava que eu estava te chutando, mas não era verdade. Eu estava só tentando espreguiçar um pouco.

Fala da mãe:

Creio que meu filho me disse isso porque tinha ouvido, dias antes, uma conversa em que eu perguntava a uma amiga, grávida, se ela já estava sentindo os chutes na barriga. Nessa ocasião, lembro-me também de ter contado a ela que, quando eu estava grávida, às vezes acordava à noite sentindo chutes na minha costela.

Com base nesse exemplo, é possível pensar, entre outras coisas, nas fantasias constitutivas, que são uma forma de a criança lidar com sua sexualidade. Como já foi dito, são essas fantasias que poderão constituir desejo, ou seja, o desejo vai-se inscrever numa fantasia que supõe poder recuperar aquilo que foi perdido; conforme Lacan, aquilo que sempre vai faltar, pois, para ele, a falta é inerente à estrutura. O sujeito se inventa nessa cena fantasmática que toma o corpo da mãe como o lugar em que se instaura a dialética essencial do objeto. Nesse momento, essa mãe funciona, para seu filho, como agente de frustração. Seus gestos, seu calor, seus odores, seu olhar, sua voz, enfim, o jogo de presença e ausência por ela introduzido já forçou a entrada desse sujeito no mundo da linguagem. Ele já é, portanto, sujeito barrado ($), mas aqui o que esse sujeito se propõe fazer é encontrar um "porto seguro" para que ele possa existir, por isso ele se fixa a determinados objetos na sua fantasia.

Para desenvolver que a falta é constitutiva da estrutura, tanto da linguagem quanto do corpo, Lacan (1985) traz o algoritmo [^], que se lê punção, e o põe no cerne de qualquer "relação do inconsciente entre a realidade e o sujeito" (p. 171-172). A partir daí, é possível dizer de um movimento incessante desse sujeito - metonímia do falta-a-ser -, bem como de instâncias em que ele se consolida, fixando-se em algum ponto cavado seja na dialética dos objetos, seja na dialética dos significantes - metáforas do ser. O relato citado parece testemunhar esses dois momentos, distintos entre si: um que é o da própria fantasia de voltar para a barriga da mãe, aqui relembrado - momento em que o sujeito dividido se consolida, apegando-se ao objeto faltoso ($^a) - e outro em que se assumem numa articulação significante tanto a impossibilidade de sua realização quanto o ter de lidar com isso, ou seja, o colocar-se num movimento pulsional.

"Eu vou aprender a ler, mas vai ser quando eu tiver seis anos mesmo, não vai ser com sete não... Sabe por quê? Porque aí eu vou aprender a dormir sozinho." Foi com essas palavras que outra criança, poucos dias após completar seis anos, pôde-se articular para dizer de sua passagem de não-leitora a leitora, de não-escrevente a escrevente, passagem que exige que o sujeito atinja a dimensão do Outro por meio do enlaçamento pulsional. Por um lado, pode-se dizer que o desejo de ler é regido pela relação que une o sujeito que fala ao objeto a, isto é, seu fantasma, mas, por outro, a substituição deste pela leitura puxa os fios de uma textura e, porque torna impossível a leitura literal, força o nascimento de um novo sujeito, ou seja, a passagem de $^ a a $^ D, um sujeito que agora se consolida na demanda do Outro.

Na leitura, é preciso que o texto permaneça extracorpo, extra-imaginário, pois o que se lê, com o movimento do olhar, é o desejo daquele que escreveu. E para que o leitor possa se jogar no jogo fálico, para fazê-lo jogar, faz-se necessário que ele vença a saturação da imagem, os diversos corpos de leitura, a iluminura. Para que sua leitura ultrapasse o nível do enunciado e se torne enunciação, em que consiste o prazer do leitor, é preciso que ele ponha em funcionamento os efeitos dessa sua entrada na estrutura simbólica, isto é, os efeitos do recalque que o constitui como tal. É retornando ao recalcado, mas, ao mesmo tempo, fazendo-o falhar que a criança poderá conjugar olhar e ouvido para decifrar um já sabido capaz de lhe aparecer agora como surpresa.

O que impede, portanto, uma criança de ler e escrever antes de certa idade não é uma incapacidade técnica, mas sim o valor psíquico de sua relação com a representação pictural. Comentando sobre isso, Pommier (1993, p. 9) propõe-se tirar conseqüências da seguinte afirmação: "os primeiros desenhos apresentam fantasmas presos ao recalcamento até o ponto em que o retorno do recalcado se escreve na letra". Pode-se dizer, portanto, de um momento em que a criança se prende ao recalque, pois, com seus primeiros rabiscos, ela se representa e apresenta os seus sonhos e de um outro em que, em retorno, os restos dessa imagem e desses sonhos serão escritos, pois, para encadear letras, o valor dessas imagens terá de retornar apenas em seu valor de significantes, encadeados conforme as leis de uma gramática.

G., cinco anos e seis meses:



Talvez esse exemplo4 possa nos ajudar a avançar um pouco com esta discussão. Grafado por uma criança de cinco anos e seis meses, a partir de seu contato com um material escolar que, além de régua, traz algumas figuras geométricas (como se pode ver na sua parte de baixo), ele foi lido da seguinte forma: "O número 1 é uma casa, e aqui embaixo um pedaço da casa; o número 2 é um homem jogando bola, e aqui embaixo a bola de novo, depois um pedaço da casa de novo; o número 3 é uma espiga de milho; o número 4 é um livro; o 5 é a noite, e aqui embaixo tem uma estrela; o número 6 é uma pipa; no 7 é uma boca; aqui (com o dedo no 8) é o D de dedo; e aqui no 9 é um coração".

Pode ser interessante pensar em como, na trama desse jogo em que vários elementos e várias séries se relacionam (números, objetos e partes de objetos), o D poderá ser tomado em seu valor de significante. No conjunto das relações entre objetos, partes do corpo e partes dos objetos, esse D pula de sua possível vinculação com boca (desenho) para um encadeamento somente possível às custas dos apagamentos: apaga-se o corpo, apaga-se o valor pictural e lê-se o que aí não está: "D de dedo". O aprendiz-leitor perde-se nos elementos (imagens) do jogo que se pôs a jogar - metonímia do desejo - e, ao mesmo tempo, cava, com a passagem ao significante, seu acesso à forma da letra - uma outra metáfora do ser. "Agora não é desenho não, é escrita mesmo." Foi o que essa criança disse, referindo-se ao D de dedo, quando mostrava sua produção a outra pessoa, também professora como a primeira.

Embora já tivesse feito tantos outros desenhos, atividades escolares de grafar o próprio nome, de preencher cabeçalhos e de reconhecer cada letra do alfabeto, por que será que essa atividade específica significou tanto para essa criança, permitindo-lhe inclusive dizer que, a partir daquele momento, iria aprender a ler e a escrever? É correto dizer, por um lado, que a criança lê antes de se tratar propriamente dos sinais convencionais da escrita, o que também permite pressupor que, antes de se tornar escrevente, ela já se encontra numa relação com a escrita - tanto a partir do suporte objetal-figurativo quanto a partir do suporte fonético -, ou seja, ela pode experimentar a relação de ausência/presença na própria modulação de sua fala. No entanto, o que esse exemplo parece testemunhar é o nascimento de um sujeito para um significante. Dos objetos, surgem traços capazes de retê-los em sua unicidade e, mais do que isso, porque um sujeito é pego na trama de suas combinatórias, esses objetos não se vêem mais senão manipulados em suas diferenças.

A letra circunscreve o texto no plano da significância e, para isso, deixa sobrar a verdade de um ponto opaco do real. Ela representa o sujeito no seu nascedouro, ou seja, no momento de sua identificação simbólica, e, porque traz a memória de um gozo perdido, inaugura a dinâmica do inconsciente, cuja marca é o processo de repetição. Já o significante é uma invenção a partir de algo que se faz presente na letra, e isso se dá por causa de um ponto em que alguma coisa, à revelia do sujeito, é remanejada pelos efeitos de retroação. Não há, portanto, um primeiro nível para depois haver um segundo, pois o suposto primeiro tempo faz, retroativamente, parte do segundo, isto é, a letra que retorna não retorna como ela foi recalcada, mas sim trazendo o traço desse recalcamento.

A letra não está toda no significante, pois ela se serve dele para constituí-lo. Porque sua estrutura apresenta dupla face, contraditória e com duplo valor, ela permanece inclusa na fala, fazendo traço do sujeito, ou seja, no gozo do som não se tem puro gozo e, sim, gozo interditado. É por isso que se pode dizer que a escrita é o próprio corte, ou seja, ela é um sulco que a linguagem cava no real do ser falante, que, a partir de determinado momento de sua constituição como sujeito, será convocado a inverter a escrita do signo para a leitura do signo, passando-se assim a tomar os objetos não mais em sua coisidade, mas apagados em certo funcionamento gramatical. A partir dessa inversão, o sujeito, já constituído pelas marcas do significante como corpo pulsional, poderá convencionalmente fazer uso da escrita, o que se dará imaginariamente a partir do suporte fonético.

Para se pensar a relação entre a criança, o professor e o texto, um ponto interessante que se pode destacar é a questão do endereçamento. Na frase "Leia este texto para mim!", visivelmente ele comparece. Em primeiro lugar, o que se vê aí senão o desejo do Outro representado pelo desejo do "auditor" (professor, mãe ou algum outro adulto)? Outro ponto que chama a atenção é que esse imperativo deverá ser atendido com uma leitura em voz alta. Do mesmo modo que ocorreu com aquela criança que foi convocada a ler como D o vazio de uma figura geométrica desenhada na régua, aqui o aprendiz-leitor vai-se perder nas imagens das letras, que precisam ser apagadas numa fonemática para que as palavras possam articular-se.

Quando ainda menor, era o olhar da mãe que constituía essa escansão, presente sobre fundo de ausência e ausente sobre fundo de presença; era o olhar da mãe que portava o desejo, constituído devido ao intervalo entre o corpo da criança e a sua criança desejada, entre o corpo que é olhado e o desejo imaginário essencialmente fálico de quem o olha. Agora, no momento dessa passagem do imaginário ao simbólico, ou então, do grafismo situado no corpo do Outro ao grafismo que recorta o próprio corpo, essa criança se vê convocada a inverter essa demanda e a assumi-la como seu desejo. Ao enfrentar esse forçamento corporal da escrita, o endereçamento também se revira: "Deixe-me ler isso para você!", "Olhe o que eu escrevi para você!"

O texto, que não é um objeto como os demais e, sim, uma instância cavada num embate difícil entre um eu e o Outro, um simbólico recortado de falhas, é, ao mesmo tempo, castração e liberdade. Uma vez que o professor se autoriza para uma criança, tomando como referência essa instância simbólica, essa esfera legal, o que ele faz, mais do que propriamente ensinar, é endereçar a ela o seu desejo, desejo de que ela deseje aprender. Suas exigências com relação à leitura, à produção textual, às correções gramaticais e aos demais jogos lingüísticos de nada adiantarão se não forem tomadas como questões pelo próprio sujeito, que, embora tenha como única opção dirigir-se a um saber que vem do Outro, só poderá deslanchar-se se o tomar em seu percurso singular. De fato, algo lhe é demandado, mas essa demanda tem de ser interpretada. Aí, sim, haverá a possibilidade de nascer um estilo, isto é, a marca de um sujeito no texto.

O que se põe em questão, portanto, pensando-se novamente na topologia, é o surgimento de um novo campo, o do sujeito, que se delineia a partir de sua dependência ao campo do Outro. Com Freud (1995/2003), pode-se falar que, nessa dialética, articulam-se, logicamente, estes três tempos do sujeito: um, ativo, em que ele vai em direção a um objeto externo; outro, reflexivo, em que ele toma como objeto uma parte do seu próprio corpo; e um terceiro, passivo, em que ele se fará objeto para um novo sujeito, ou seja, aquele nascido do enlaçamento pulsional, cuja função de artifício o fará tomar, noutro tempo, o que é próprio de um campo como sendo do outro. No movimento dessas três vozes é que poderá constituir-se uma singularidade, aquilo que o sujeito é, diferentemente de todos os outros, sua forma singular de driblar a censura que recai sobre o seu fantasma (Cf. SCOTTI, 2006, p. 161).

O que se tem, portanto, quando se pretende relacionar essas três instâncias ou posições - a criança, o professor e o texto - é que, conforme se tentou dizer, esses três pontos se ressaltam: a constituição de um corpo pulsional (corpolinguagem), o processo de causação de um sujeito do desejo e, por fim, o modo peculiar de esse sujeito situar-se e movimentar-se na estrutura simbólica. Em se tratando de escola, põe-se também em questão um saber suposto, tanto como autoridade no professor quanto como antecipação na criança. Suposição que se põe, ao mesmo tempo, na dependência do Outro e da construção a que cada sujeito se vê convocado, na medida em que escolhe oferecer-se no lugar de uma falta nesse Outro. Se, por um lado, esse saber é dependente de uma lei e do desejo que essa lei instaura, por outro, o desejo é indeterminado na linguagem e, por isso, precisa ser tomado como sabido por um sujeito.

O professor, portanto, é sujeito suposto saber, uma autoridade para a criança, e seu discurso fará sentir seus efeitos, ao passo que, numa insistência cotidiana, ele sustente junto a essa criança uma construção imaginária. Trata-se, na verdade, de sustentar a transferência. É lendo e escrevendo para ela e junto com ela, convocando-a a ler e a escrever, interpretando e interrogando sobre o que ela escreveu, enfim, é estruturando um saber que, ao se pôr em movimento, rompe com essa própria estrutura (cf. DE LEMOS, 1998) que ele desempenhará seu papel de inserir a criança no movimento lingüístico-discursivo para, a partir daí, ela talvez escrever o seu estilo.

NOTAS e REFERÊNCIAS

Educação em Revista - UFMG



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