Alessandro Vieira dos Reis é analista do comportamento Contato com o autor: [email protected]. http:// olharbeheca.blogspot.com
Nos anos 1950, B.F. Skinner não apenas levantava hipóteses sobre tecnologias pedagógicas, mas efetivamente criava "máquinas de ensinar". O dispositivo mecânico e rudimentar funcionava com roldanas e fichas. O aluno rolava um texto recheado com questões e à medida que as respondia seguia adiante. As máquinas de ensinar indicavam o acerto ou erro do aluno imediatamente, diferentemente de provas em que a correção poderia demorar dias. Por esse feedback imediato, o reforço do acerto tinha mais força e o aluno poderia corrigir rapidamente os erros. As máquinas de ensinar poderiam ajudar na instrução, segundo Skinner, a respeito de qualquer saber traduzível em textos e expresso em forma simbólica, tais como gramática e matemática.
Poucos anos depois, com a revolução da informática, surgiam os primeiros computadores. Diante de uma máquina capaz não apenas de apontar erros e acertos em questões, mas também de computar dados e rodar programas variados de ensino, as possibilidades eram muitas.
Antigas novidades sobre o ensino
De poucas décadas para cá, o jargão dos educadores, especialmente em escolas de Ensino Fundamental e Médio, foi acrescido de diversos termos. Alguns deles encontram eco na Análise do Comportamento.
Interdisciplinaridade - Ensinar Português, Geografia e História por intermédio de uma redação. Aprender Matemática e poesia ao mesmo tempo, esquadrinhando métricas de sonetos. Isso é interdisciplinaridade: a visão pela qual as diferentes disciplinas de conhecimento devem se integrar em um todo, respeitando ainda suas diferenças. Para a Análise do Comportamento, como já expresso anteriormente, o que é ensinado na verdade são comportamentos, e não conhecimentos de diversos tipos diferentes. Sendo assim, tudo é uma questão de organizar esses comportamentos em classes passíveis de generalização e discriminação.
Ensino de Competências - Fala-se muito em competências hoje em dia. Uma competência pode ser definida como a capacidade de mobilizar recursos teóricos, práticos e atitudes para realizar algum trabalho. Em outras palavras, comportar-se de alguma forma, visando resultados. Novamente: não é um abstrato conhecimento que é transmitido nas escolas. Educar é ajudar as pessoas a mudarem a si mesmas, visando resultados no mundo.
Ciclos Cada um aprende em seu ritmo. Essa premissa é velha conhecida dos Analistas do Comportamento explicada pelo fato de diferentes pessoas terem diferentes históricos e repertórios. Alguns esquemas de reforço vão funcionar para uns, mas não para outros. A idéia de que todos os alunos precisam cursar as mesmas disciplinas ao mesmo período de tempo não encontra apoio em uma Análise Comportamental. Em vez de o ensino ser segmentado em séries estanques e alunos de mesma idade serem colocados todos na mesma sala (pressupondo que alunos da mesma idade aprendem de forma igual) o melhor seria que se respeitasse o ritmo de cada aluno.
Avaliação Formativa - Para que serve uma prova, ou um seminário, ou qualquer instrumento de avaliação? Muitos diriam que para checar se o aluno aprendeu e permitir que os selecionados passem adiante, enquanto que os reprovados repitam o ano. Esse não é o papel da avaliação na Pedagogia Comportamental. Avaliar é uma forma de incentivar os estudos. Todos sabem que alunos estudam mais quando as provas estão próximas. A partir daí descobriu-se que se a avaliação for contínua e freqüente, e tivesse o papel de orientar mais do que selecionar, então o aluno estaria regularmente estudando. Skinner já praticava a hoje chamada "Avaliação Formativa" décadas antes de pensadores como Phillipe Perrenoud falarem dela.
A educação pode ser escolar, organizacional ou clínica, mas todas devem prezar pela criação de uma cultura propícia à manutenção e evolução sadia da vida
Isso fez Skinner declarar que os computadores eram "o instrumento pedagógico do futuro", ao mesmo tempo em que criticava o emergente paradigma cognitivista de ensino, em que o aluno era comparado a um computador que deveria ter sua memória preenchida com dados.
A partir disso, é perfeitamente aceitável perguntar "como" as pessoas aprendem? Uma questão que pode ser fundamental, para muitos da Análise do Comportamento, é por que o funcionamento da aprendizagem ocupa lugar de destaque na abordagem comportamental, tanto no âmbito clínico quanto escolar e organizacional, se há uma didática behaviorista, uma Pedagogia Comportamental? Sob a hipótese de a resposta ser afirmativa, por que se ouve tão pouco sobre o tema? Talvez porque historicamente os analistas do Comportamento inventam muitas coisas, mas quase nunca levam o crédito.
Pessoas não aprendem como computadores, até porque computadores não aprendem: eles são alimentados com dados estruturados. Quando um computador roda um programa ele está executando um conjunto de instruções chamado algoritmo. Esse algoritmo pode ser substituído por outro, o que não implica em alterações na máquina. Na visão comporta mental, o mesmo não se aplica ao homem: o aprendizado muda, transforma o ser humano de maneira indelével. Alguém que aprendeu a andar de bicicleta não é um autômato executando um algoritmo apagável: é um indivíduo modificado de maneira única para o resto de sua vida.
Dizendo com outras palavras: educar não é transmitir conhecimentos, encher a cabeça das pessoas. Educar, para um behaviorista radical, é transformar pessoas e, assim, também o mundo. A própria noção de conhecimento é entendida não como algo dentro da mente, mas um conjunto de comportamentos que a pessoa exerce no mundo. Em vez de dizer "vou passar a ele o conteúdo de cálculo", um professor de ótica comportamental declararia: "vou ensiná-lo a calcular". Ensinar não é transmitir idéias, passar conteúdos ou transferir informações, é modificar as pessoas ao torná-las capazes de realizar novos comportamentos, aumentando seus repertórios.
Diferentemente da didática tradicional, presente nas escolas desde a Idade Média, a Pedagogia Comportamental parte de pressupostos de que todos podem aprender e, se o aluno não aprende, é porque não foi corretamente ensinado. Para um behaviorista radical, o sucesso da educação está em achar um método apropriado para cada aprendiz, descobrir reforçadores eficazes, um ambiente propício, procedimentos mais afins com o histórico e repertório de cada um.
A premissa de que todos podem aprender pode ser traduzida no célebre ditado popular: "não existe mau aluno, existe mau professor". Ou, para ser mais cientificamente preciso, uma vez que o professor também é determinado pelo ambiente de ensino, "não existe mau aluno, existe mau ensino".
Outro ponto fundamental, eternamente presente em discussões pedagógicas, é se a diretividade é inevitável. Entende-se que todo ensino ocorre mediante um programa de objetivos, o que envolve, por exemplo, "comportamentos-alvo" que devem constar no repertório do aluno ao final do processo. Admitese que o professor possui um repertório de comportamentos maior e mais organizado que o do aluno e, por isso, tem condições de "orientar o pequeno" (tradução literal da palavra Pedagogia, do grego).
"Educar não é encher a cabeça das pessoas. Educar, para um behaviorista radical, é transformar pessoas e também o mundo"
Na escola
É certo que o comportamento do aluno em sala de aula mudou muito nas últimas décadas, mas entender o que move esse aluno e fazê-lo compreender seu contexto social ainda são tarefas atualíssimas do professor. Escritores da liberdade conta a história de uma professora de literatura que sugere aos seus alunos, todos com histórias de vida violentas, que façam diários e, por meio desse exercício, descobrem o poder da tolerância, recuperam suas vidas desfeitas e mudam seu pequeno mundo.
A diretividade, contudo, não pressupõe falta de interatividade. Deve-se ensinar mediante diretivas, mas conforme o que é reforçador para o aluno. Descobrir o que é reforçador para cada aluno - isto é, o que os motiva - é parte fundamental do ensino segundo a Análise do Comportamento. O professor eficaz é o que faz perguntas do tipo: o que você gosta de aprender? Como se sentiu naquela aula? Quais seus interesses para o futuro? Você está satisfeito com os rumos de sua educação?
Pessoas não aprendem como computadores, até porque computadores não aprendem: eles são alimentados com dados estruturados
Modelos comportamentais de ensino
Alguém que aprende a andar de bicicleta não é um autômato. É um indivíduo modificado de maneira única para o resto de sua vida
O método de ensino escolar desenvolvido por Skinner ficou conhecido como Instrução Programada. Fazendo uso das "máquinas de ensinar", bem como de outros procedimentos, Skinner concluiu que a melhor forma de educar não era a Tradicional, pela qual o professor era um transmissor de informações que deveriam preencher a mente de seus alunos.
A Instrução Programada apresenta algumas características, como respeitar o ritmo de aprendizagem de cada aluno; oferecer a avaliação como forma de ensino e orientação, não como seleção por notas; tornar o aluno gerenciador de seu próprio aprendizado, uma vez que ele regula o programa mediante seus interesses e limites; enfatizar que toda aprendizagem deve gerar habilidades demonstráveis no contexto real, onde o aluno operacionaliza saberes sobre o mundo. Um exemplo disso seria a aprendizagem efetiva da língua e não apenas decorar o vocabulário. (Mais tarde a Instrução Programada serviu de ponto de partida para o desenvolvimento do Personalized Struction System (PSI); e do método Precision Teaching, por Ogden Lindsley).
O fato é que métodos e modelos de ensino baseados na Análise Experimental do Comportamental são hoje desenvolvidos em diversas universidades e centros de pesquisa. Esses métodos influenciam, mesmo sem receber os créditos, pensadores de diversas áreas.
O fato é que métodos e modelos de ensino baseados na Análise Experimental do Comportamental são hoje desenvolvidos em diversas universidades e centros de pesquisa. Esses métodos influenciam, mesmo sem receber os créditos, pensadores de diversas áreas.
Modelo de ensino behaviorista
O livro Análise do comportamento humano, de Ellen Reese (Livraria José Olympo, 1976), apresenta um interessante modelo de ensino baseado na Análise do Comportamento. Segundo Reese, esse modelo pode ser roteirizado da seguinte maneira:
Especificar para o aluno o comportamento-alvo a ser aprendido.
Checar o que o aluno já sabe sobre o tema, para partir de seu repertório presente para que ele chegue ao comportamentoalvo.
Habituá-lo, previamente, com termos, conceitos e instrumentos que usará no processo.
Criar um ambiente favorável (o que envolve desde aspectos físicos até sociais e emocionais da situação de ensino).
Criar um sistema motivacional. Ou seja, descobrir o que é reforçador para o aluno e oferecer isso, mediante algum esquema de reforço.
Dar o exemplo dos comportamentosalvo executando-os (procedimento de modelação). Em seguida, deixar o aluno agir por conta própria, apenas dando instruções em tempo real para aperfeiçoar seu desempenho (procedimento de modelagem).
Manter registros ricos de todo o processo: fotos, diários, filmes, desenhos, etc., para demonstrar objetivamente o progresso do aluno.
Revista Psique