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Scott Barry Kaufman
Em 1990, os pesquisadores Patrick Kyllönen e Raymond Christal descobriram uma correlação impressionante. Eles aplicaram diversos testes de memória operacional (ou memória de trabalho) a grandes grupos de recrutas da Força Aérea americana. Os participantes realizavam operações simples com base em uma única sequência de letras.
Na tarefa ?recodificação do alfabeto?, por exemplo, o computador exibia rapidamente três letras: H, N, C. Em seguida, dava uma instrução como: adicione a quarta letra. A resposta certa seria L, R, G.
É claro que sequenciar quatro letras é fácil. A parte difícil é lembrar a letra enquanto se processa a próxima operação mental e manter as duas em mente ao fazer a terceira operação. Isso pode ficar cada vez mais difícil com instruções mais complexas e mais letras para transformar em sua cabeça.
Em quatro estudos diferentes os pesquisadores detectaram correlações extremamente elevadas, variando de 0,8 a0,9, entre suas medidas de memória operacional e várias medidas de raciocínio. As correlações, de fato, foram tão altas que eles intitularam seu artigo científico: ?A habilidade de raciocínio é (pouco mais que) a capacidade de memória operacional?!? (Reasoning ability is (little more than) working memory capacity?!).
Desde então, muitos estudos confirmaram que a memória operacional é um importante fator contribuinte para o raciocínio fluido. De todas as habilidades cognitivas já medidas por pesquisadores da inteligência, o raciocínio fluido é a mais generalizada e explica a maior variação em todas as outras aptidões cognitivas. A capacidade de inferir relações e padrões pontuais a problemas baseados em um mínimo de conhecimentos e experiências anteriores desempenha um papel relevante, em graus variáveis, em praticamente todas as áreas do funcionamento intelectual humano.
Mas qual é, exatamente, a extensão da relação entre a memória operacional e o raciocínio fluido? Como ocorre frequentemente no caso da ciência, a força dessa correlação tem se mostrado em todas as partes, dificultando determinar a verdadeira relação entre memória operacional e raciocínio fluido.
Há muitas razões para as inconsistências. Os diversos estudos incluem uma seleção e um número diferente de testes, além de uma gama de diferentes habilidades cognitivas entre os participantes. Esses tipos de detalhes metodológicos importam.
Um novo estudo sugere um fator adicional: o timing dos testes. Adam Chuderski revisou 26 estudos que ministraram provas de medição de memória de trabalho e o teste Matrizes Progressivas de Raven, que é a medida mais usada para o raciocínio fluido.*
Em cada questão do teste de Raven, a pessoa é apresentada a uma matriz de 3×3, na qual ela tem que identificar a peça que falta para completar o padrão:
MATRIZES PROGRESSIVAS DE RAVEN
O que é preciso para se sair bem nesse teste? Acontece que só há algumas regras necessárias para resolver todos os itens dessa prova. Os problemas mais fáceis exigem que a pessoa aplique uma única regra, como adicionar ou subtrair apenas um atributo (como uma linha). Os mais difíceis exigem uma combinação de várias regras e múltiplos atributos (como formas, tamanhos e cores). A dificuldade na solução dos itens de Raven é que a pessoa tem que separar os atributos relevantes dos irrelevantes e ter em mente as regras enquanto as testa. Além disso, quando algumas regras não funcionam, a pessoa tem que saber quando parar de seguir por esse caminho e recomeçar. Como essa tarefa requer a habilidade de descobrir as relações abstratas entre novos estímulos, ela é uma boa medida do raciocínio fluido não-verbal.
Chuderski constatou que os estudos que intensificam a pressão de tempo no teste de Raven aumentavam significativamente a correlação entre a memória operacional e o raciocínio fluido. Em outras palavras, quando as pessoas tinham mais tempo para raciocinar, a capacidade da memória operacional não era um contribuinte tão forte para o raciocínio fluido.
Como achou suas descobertas intrigantes, ele decidiu investigar a questão mais a fundo em dois outros estudos.
Em seu primeiro estudo, ele ministrou vários testes de memória operacional e raciocínio fluido a 1.377 pessoas com idades entre 15 e 46 anos. Usando uma técnica estatística chamada análise fatorial confirmatória, ele confirmou que a pressão temporal nos testes de raciocínio fluido impactam a força da correlação entre a memória operacional e o raciocínio fluido.
No caso do ?grupo altamente acelerado? (20 minutos), a memória operacional explicou toda a variação do raciocínio fluido; enquanto no ?grupo subacelerado? (60 minutos), a memória de operacional foi responsável por apenas 38% da variação no raciocínio fluido.
Chuderski replicou sua descoberta em um segundo estudo e descobriu que quando não havia nenhuma pressão de tempo durante o raciocínio fluido, a memória operacional só explicava cerca de um terço das diferenças entre raciocínio e desempenho. Além disso, ele constatou que uma medida de ?aprendizagem relacional?, a capacidade de aprender de relações anteriores entre as letras para aumentar a eficiência do processamento posterior de relações numéricas, contribuíam, independentemente, para o grau de variação no raciocínio fluido.
Por que isso importa?
Esses resultados sugerem que podemos estar subestimando seriamente a capacidade do raciocínio fluido das pessoas ao impormos rígidas restrições de tempo. Esse estudo é consistente com outras pesquisas recentes que sugerem que a ?inteligência rápida? pode ser distinguida da ?inteligência lenta?.
Pesquisadores, educadores e líderes empresariais que tentam avaliar o nível de raciocínio fluido de um candidato enfrentam um dilema: você quer medir sua capacidade de raciocínio fluido através de uma tarefa de alta velocidade ou lhe dar uma oportunidade maior para mostrar seu poder de raciocínio? De acordo com Chuderski:
?O método de ensaio anterior [testes altamente acelerados] medirá a capacidade de lidar com complexidade em um ambiente dinâmico, tendo assim uma elevada validade no mundo real; mas isso pode subestimar pessoas que, independente de sua capacidade limitada, apresentem boas soluções em ambientes menos dinâmicos. Esse método [com pressões de tempo mais flexíveis] resultará em uma visão mais abrangente da capacidade de raciocínio, inclusive da contribuição de faculdades intelectuais além do chamado WM (work management, ou habilidade de trabalho) e parecem ser complementares a ele; mas também poderiam incluir muitos ruídos (por exemplo, estratégias aprendidas dependentes de tarefas) influenciando negativamente a avaliação da eficiência futura de uma pessoa no que diz respeito às exigências, tempo, e tarefas completamente novas?.
Isso é importante porque, tendo mais tempo, as pessoas podem compensar suas limitações de memória operacional, como pessoas que mostram grandes melhorias no raciocínio fluido depois de aprender como desenhar diagramas para representar um problema. Quando Kenneth Gilhooly e seus colegas apresentaram silogismos oralmente, isso exigiu mais da memória de trabalho (operacional) em comparação com as premissas que os participantes tiveram que armazenar em suas cabeças. Mas quando os silogismos eram apresentados com todas as premissas fixas na tela de projeção, as pessoas tinham um desempenho melhor, porque podiam ?descarregar? as premissas de suas memórias operacionais, libertando assim recursos limitados para construir um modelo mental eficiente do problema.
No decorrer da última década John Sweller e seus colegas projetaram técnicas de instrução que aliviam a carga de memória operacional em alunos, aumentando o aprendizado e o interesse. Baseando-se tanto na literatura sobre conhecimento como de funcionamento da memória operacional, elas se igualam à complexidade das situações de aprendizagem para o aluno, tentando reduzir cargas de memória desnecessárias que podem interferir com o raciocínio e o aprendizado; otimizando os processos cognitivos mais relevantes para a aprendizagem.
Além disso, há implicações para intervenções de treinamento cerebral. Como mencionei em um artigo anterior, a literatura sobre treinamento cognitivo é um atoleiro. Enquanto alguns estudos concluíram que aprimorar a memória de operacional melhora o raciocínio fluido, outros constataram uma falta de transferência.
Uma causa possível para as inconsistências na literatura de treinamento cognitivo pode ser o timing das tarefas. Susanne Jaeggi e seus colegas, por exemplo, ministraram seus testes de raciocínio fluido sob rígidas restrições de tempo (por exemplo, de10 a 11 minutos para 18 itens do teste de Raven) e constataram que o treinamento da memória operacional mostrou um aumento no desempenho do raciocínio fluido. Comparativamente, Roberto Colom e seus colegas aplicaram testes de raciocínio fluido sob pressão de tempo padrão e não encontraram nenhum efeito do treinamento da memória operacional no raciocínio fluido.
Esses resultados contraditórios fazem sentido à luz do estudo de Chuderski: quando tarefas de raciocínio fluido têm limites rigorosos de tempo, elas são essencialmente testes de memória operacional (de trabalho). Nessas condições, seria de se esperar mais de uma transferência de memória de trabalho para o raciocínio fluido. Mas quando as tarefas de raciocínio fluido têm menor pressão de tempo, a memória de trabalho está mais fracamente associada ao raciocínio fluido e outros mecanismos cognitivos entram em jogo, como a aprendizagem relacional e associativa. Além disso, podem ser empregados auxílios externos, como a utilização de diagramas para facilitar a construção de modelos mentais mais elaborados e eficientes.
Conclusão
A memória operacional (de trabalho) e o raciocínio fluido são iguais ou diferentes? Depende. A imposição de rigorosas pressões de tempo em um teste de QI obriga as pessoas a se basear quase exclusivamente em sua limitada capacidade de memória operacional, ao passo que lhes dar mais tempo para pensar e raciocinar aumenta suas chances de apresentar outras funções cognitivas que contribuem para seu brilho intelectual.
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