Encontro de especialistas da OCDE mostra que a democratização da universidade será a marca deste século e traça possíveis cenários para a educação superior nos países desenvolvidos
Lúcia Jardim, de Paris
As realidades são diferentes, mas os desafios, os mesmos. Num mundo globalizado também na educação, as universidades procuram desde já, e juntas, traçar os caminhos para os próximos anos. Em mente, a certeza de que cada vez mais a qualidade, a inovação e a internacionalização serão a chave para o reconhecimento internacional, objetivo das instituições que sonham em integrar os grandes rankings mundiais, ou subir na colocação em que já se encontram.
Mas, diante de um labirinto de opções, uma questão parece desafiar particularmente o sistema do ensino superior, sobretudo para as que já se encontram no topo: como democratizar efetivamente o acesso às instituições? Stephan Vincent-Lancrin, analista sênior e responsável pelo projeto O Futuro do Ensino Superior, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), confirma a tendência, embora ainda esteja distante das respostas.
"A questão chave das universidades nos próximos 20 anos será a qualidade, porque cada vez mais elas se internacionalizam e o fato de terem alunos de todas as partes do mundo será muito valorizado", explica o especialista, um dos nomes da OCDE na conferência O Ensino Superior no Horizonte de 2030, que trouxe a Paris, em dezembro, mais de 800 representantes de instituições e de ministérios da Educação dos 29 países integrantes da organização, que reúne as economias mais ricas do mundo. "No entanto, a questão do acesso às vagas a todos os níveis sociais começa a ganhar cada vez mais peso. Aposto como este será o grande diferencial das universidades do futuro."
Na opinião de Vincent-Lancrin, as três questões estão, na realidade, intimamente relacionadas. Para se internacionalizarem, as universidades precisarão mostrar não apenas que têm cada vez mais qualidade, mas também que estão abertas para o mundo - logo, para os estudantes com origens em todas as raças e classes sociais. Num momento em que a mobilidade internacional estudantil é uma tendência aparentemente irreversível e que as agências de acreditação proliferam e ganham prestígio ao redor do globo, são os alunos marginalizados que devem ganhar espaço nos bancos acadêmicos. "Por enquanto, o nosso objetivo ainda não é chegar a soluções, mas sim tentar antecipar quais caminhos devem ser os mais vitoriosos. E neste megaencontro pudemos comprovar que a justiça social está interessando às universidades de uma forma impressionante. Embora estivéssemos tratando com países tão variados, ficou muito claro que as questões que preocupam a todos são similares."
A pergunta em aberto parece ser, então, quais serão os modos de financiamento dos estudos - problema que será ainda maior nas próximas décadas, com a previsão de aumento de 16% nas admissões no ensino superior, até 2025, nos países que integram a OCDE. "Neste quesito, as diferenças regionais ainda pesam muito, é difícil pensar em uma solução que se adapte a todas as realidades", admite o analista, que vê com bons olhos as alternativas de discriminação positiva, embora se recuse a comentar o caso das cotas sociais no Brasil - o país não faz parte da organização que Vincent-Lancrin representa.
Os Estados Unidos seriam o país que está um passo à frente nessa questão, desenvolvendo cada vez mais parcerias público-privadas para o financiamento dos estudantes. "Acredito que, nas economias desenvolvidas, nós vamos ver a ascensão do acesso global à educação superior, relacionada com as políticas de expansão das universidades, apoiadas financeiramente pelo poder público e pelo privado", estima Richard Arum, professor de sociologia e educação da Universidade de Nova York. "Essa expansão será acompanhada, no entanto, por uma crescente diferenciação entre cada umas das instituições: a diferenciação qualitativa tende a ser associada à diminuição da igualdade social, enquanto a diferenciação em expansão poderá ser associada a um acesso mais universal dos alunos."
Em outras palavras, o monopólio das elites no acesso às melhores vagas deve continuar sendo uma equação sem resposta, mesmo com a iminência da democratização do ensino superior - o que, num primeiro momento, deve ser encarado como uma conquista sujeita a aprimoramentos.
"O grande objetivo do ensino superior vai ser assegurar acesso igualitário para educação barata e de qualidade, redirecionando as prioridades nacionais, e que resulte em capacitar bem os graduados para o mercado de trabalho, com largo comprometimento comunitário ao mesmo tempo em que se promove a cooperação internacional. Em resumo, o ensino superior deve ser proveitoso para o maior número de pessoas possível, mesmo que elas sequer esperem por isso", avalia Grant McBurnie, pesquisador do Instituto de Globalização da Universidade Real de Melbourne, na Austrália, e um dos palestrantes no evento da OCDE. "O aumento demográfico dos alunos vai acabar sendo absorvido pela competitividade internacional entre as instituições de uma forma que poderá ser muito positiva, se soubermos adotar formas eficientes de incluir todos nesse processo."
Segundo Maruja Gutierrez Diaz chefe da Unidade para Inovação e Criatividade na Educação da Comissão Europeia, o número de diplomados nos países da OCDE deve passar de 26%, em 2005, para 36% em 2025."O século XIX foi o século da semiuniversalidade do ensino primário. No século XX, foi a vez de o ensino secundário se tornar semiglobal. Neste século, devemos acreditar que chegaremos à semiuniversalidade no ensino superior", afirma Maruja. "Portanto, a principal mudança que vamos acompanhar no sistema de ensino superior será a sua massificação, ao mesmo tempo que teremos de continuar focados na qualidade."
As alternativas para enfrentar o problema não são poucas. A OCDE destaca, no entanto, duas ideias americanas. A primeira é a mudança de concepção das próprias aulas: fim das sessões em anfiteatros gigantescos em que o semestre se encerra sem que o professor conheça a fisionomia de todos os alunos. As turmas passariam a ser bem menores e as aulas, dadas em salas comuns. A segunda, bem mais complexa, é a implantação do chamado "ensino duplo" no currículo do ensino médio, em parceria com instituições superiores: ao ingressar nos anos finais da escolaridade básica, o estudante já começa a ter disciplinas de uma faculdade que o interesse e a se familiarizar com o universo universitário. Desta forma, o ensino superior é desmistificado e o aluno pode ter mais facilidade em obter bolsas de estudo graças aos próprios resultados na saída da escola. Chegando à universidade mais preparado, em tese ele também estaria apto a começar o curso já num nível avançado de estudos.
Revista Educação Superior
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