Educação Libertadora: Uma Práxis (Ainda) Possível
Ensino

Educação Libertadora: Uma Práxis (Ainda) Possível


Alvaro Sebastião Teixeira Ribeiro
Recriar uma sociedade é um esforço político,
ético e artístico, é um ato de conhecimento.
Paulo Freire


Problemas financeiros. Pobreza. Alunos ?desestruturados?. Famílias apresentando aparente falta de responsabilidade para com seus filhos. Relacionamentos inconstantes e supérfluos. Somado a tudo isto o professor precisa enfrentar na sala de aula temas como sexualidade, meio ambiente, pluralidade cultural, ética, educação para a paz, educação para o trânsito, ufa! Antes
eram os objetivos a serem alcançados, hoje são as habilidades e competências a serem adquiridos. Quanta novidade. Quanto conteúdo, quantos temas e quanto acréscimo de trabalho para o pobre do professor. Qual professor já não se deparou com esta problemática? Como dar conta desta problemática?
Tanto trabalho e pouca solução. Continuamos a vivenciar um aumento da violência, da
desestrutura familiar, da pobreza, da falta de condições de vida. Na sala de aula continuamos a receber alunos com problemas de toda ordem: financeiros, sociais, afetivos, etc. Muitos apresentam as mesmas dificuldades de aprendizagem e a maioria não se importa com o que está estudando. O desinteresse pelos conteúdos continua acontecendo. Por outro lado, muitos pais continuam a pensar que a educação é um problema somente da escola.
Frente a estes e outros problemas encontramos um educador tentando dar respostas à
sociedade, que cobra dele, mas nem sempre o apóia, embora, a mesma sociedade afirme que a educação é importante. Os educadores se perguntam: Por que estamos vivendo esta situação?
Quais são as causas de nossos problemas? Por que precisamos de uma nova escola, de uma outra educação mais pragmática, que garanta resultados? Este tipo de educação será um ? avanço? em direção a uma educação que prepare nossos educandos para disputar, com qualidade, uma vaga no concorrido mercado de trabalho? Com quem pode o educador contar? O que queremos e o que fazer?
Pensemos um pouco no conceito que temos de educação. O que vem a ser educação? Qual seu significado? Qual sua função ou funções? Qual sua importância? Frente a estas perguntas poderíamos cair na tentação de responder que só existe uma educação, conseqüentemente com os mesmo objetivos, as mesmas funções e a mesma importância. Isto é verdadeiro se entendemos educação por uma ação que qualifique nossas crianças e jovens para adaptarem-se as necessidades criadas pela sociedade, ou seja, se entendemos educação como espaço de adaptação social.
Para mantermos a ordem necessitamos de uma educação que ensine as crianças a respeitarem os papéis sociais já estabelecidos, o papel do homem e da mulher, do trabalhador e do empresário, do pobre e do rico, do político e do eleitor, etc.... Para que tenhamos uma sociedade repetitiva e ordeira é necessário que a educação tenha, entre outras, as seguintes características: os programas devem ser obedecidos à risca com enfoque no livro didático, para que se possa unificar o conhecimento; a relação professor-aluno seja a de instrutor-aprendiz, ou seja, o professor ensina
e o aluno aprende; os conteúdos são apenas atualizados e não mutáveis, já estão dados na natureza ou na cultura e não precisam de interpretação; a avaliação deve ser verificadora e medidora, devendo ser desenvolvida através de provas e exames, para melhor classificar os alunos.
Podemos optar por uma educação do tipo acima citada, mas temos que ter consciência de que este modelo educacional pressupõe um determinado tipo de homem/mulher. Nesta concepção todos os seres humanos são iguais, com tendências já pré-estabelecidas. A criança nasce selvagem e com a educação ela irá se autocorrigir e, conseqüentemente, se adequar à sociedade em que ela vive. Para isso necessita aprender as regras de convivência e os conteúdos básicos para reconhecimento do mundo. Educados e conhecedores do mundo que os cerca homens e mulheres desenvolverão suas habilidades e serão aquilo que já está pré-determinado neles. Com o conhecimento comum a todos, as habilidades se definirão e todos reconhecerão seus dons, que serão aflorados. Ninguém é sujeito de seu processo histórico, a sociedade e as funções já estão dadas e o progresso vai oferecer as condições ideais de vida. Portanto, basta apenas que cada um ocupe seu lugar. É este o principal objetivo da educação.
Simples, não? Convido-os/as a refletir um pouco mais. A humanidade alcançou o estágio atual por que tinha que ser assim? O desenvolvimento humano levaria necessariamente ao que temos hoje? É natural que tenhamos este tipo de sociedade, pois o progresso nos levou a isto?
Tentemos, rapidamente, viajar pela história da humanidade. Os chamados pré-históricos lutaram com a natureza para construir sua cultura. A escassez de alimentos vegetais, pelo aumento da população ou por problemas climáticos, fez com que os/as homens/mulheres procurassem outras terras e outros alimentos, transformando-se em nômades e carnívoros. A necessidade de locomoção e de lutar com outros animais para poder comer, oportunizou ao ser humano a construção de instrumentos, de transporte e de caça. Estes instrumentos foram utilizados, mais tarde, nas lutas entre os próprios seres humanos, para defesa ou conquista. E, assim foi ao longo dos tempos, as necessidades foram aparecendo e soluções foram buscadas. Mas, estas necessidades foram sempre ditadas pela natureza?
Na relação com a natureza o ser humano começa a construir culturas. Estas culturas são construídas pela ação do/a homem/mulher sobre a natureza ao longo dos tempos até nossos dias. Elas são frutos de nossas necessidades e desejos. Será que eles são sempre nossos, de todos?
Vamos a história, novamente. Vejamos o caso da Grécia. Existia na Grécia antiga uma democracia, apesar de ser uma democracia da minoria, pois apenas os homens livres podiam decidir, era uma democracia. Por que não se aperfeiçoou esta democracia, com a inclusão de outros segmentos da sociedade? Afinal de contas era uma boa idéia, e pelo que se tem conhecimento, uma prática que trazia benefícios ao povo grego. Poderíamos enumerar vários motivos para que isto não tenha acontecido, mas vamos ficar em apenas dois, talvez os mais importantes. Primeiro, a própria aristocracia grega exigia maior poder de decisão e depois, os macedônios e os romanos, que não tinham espírito tão democrático, invadem a Grécia e, pela força, submetem seu povo a seus governos. Podemos perceber que se travaram conflitos entre os sujeitos sociais. Primeiramente entre a aristocracia ateniense e os demais cidadãos e, posteriormente, entre outros povos, com práticas conquistadoras e o povo grego. Houve luta ideológica e luta militar, o vencedor impõe seus ideais e suas práticas ao perdedor.
O que temos hoje é fruto de quê? Da natureza das coisas, dos conflitos entre ser humano e natureza, dos conflitos entre atores sociais ou da luta do bem contra o mal? O contexto histórico que nos situamos apresenta uma hegemonia de um modelo econômico-político neoliberal. Trata-se de um aprofundamento das idéias liberais implementadas na economia e com fortes marcas políticas, em séculos anteriores. Este modelo impõe valores relacionados a um individualismo exacerbado em vista à constituição de um consumidor voraz fiel às leis do mercado mundial, manipulado por poucos conglomerados comerciais e financeiros.
O projeto neoliberal reinante identifica o mercado como o grande responsável pela justiça social que se deseja, mas a participação no poder continua sendo privilégio de poucos. A grande massa da população continua excluída dos bens produzidos pelo capitalismo e, em nome de um estado mínimo, os serviços públicos vêm sendo, cada vez mais, oferecidos em menor escala.
O modelo liberal hegemônico, chamado hoje de neoliberal, é fruto de conflitos ideológicos,políticos e militares, que se estabeleceram, pelo menos, nos últimos trezentos anos. As forças que defendem o neoliberalismo procuram ao longo do tempo construir instituições que favoreçam a implementação de seus ideais, gerando um mundo em que a participação de poucos vem em detrimento de muitos, criando uma condição de exclusão intensa.
As estatísticas demonstram que um por cento da população mundial detém recursos iguais aqueles que são divididos entre os cinqüenta por cento mais pobres, com tendência a uma concentração ainda maior. Como você se posiciona frente ao quadro sócio-político que ora enfrentamos? Com indiferença? Com otimismo? Concorda com os rumos da economia? Não vê relação entre as dificuldades sociais enfrentadas pela maioria da população e a economia mundial? Acha que este é um problema para políticos e não para você? Acredita que os problemas sociais são apenas políticos e não econômicos? É complexo? Pois bem, nossa postura pedagógica vai depender, em grande parte, de nossa visão de mundo. Se acreditarmos que tudo está bem, necessitando alguns ajustes, teremos uma forma de ver nossos alunos. Se, por outro lado, verificarmos que as estruturas sociais construídas nos últimos tempos refletem a hegemonia capitalista liberal e, por isso, não atendem a maioria da população, criando cidadãos de primeira e segunda classe, nossa postura frente aos alunos e a educação poderá ser outra.
É frente à situação de injustiça observada no mundo atual que perguntamos: queremos uma educação que mantenha esta situação? Para os que acham que o mundo é assim mesmo e os maiores devem ? comer? os menores, como acontece em parte da natureza, talvez o ideal deva ser este mesmo. Para os que pensam assim, sugerimos olhar para a própria natureza, a mesma natureza que serve de parâmetro para a sustentação ideológica deste estado de coisas, e verificar que se é verdade que alguns animais maiores se alimentam de animais menores, também é verdadeiro que muitos convivem de forma solidária. Portanto, nos parece possível pensar diferente e tentar a construção de um mundo melhor, mais justo e mais solidário. Um mundo em que os/as homens/mulheres possam construir outras escalas de valores e, conseqüentemente outras formas de organização social. Para isso é necessário construirmos as condições de mudança e, como afirma Paulo Freire, ? a educação não é a chave para a transformação, mas a transformação é por si mesmo educacional? .
Desde os anos sessenta do século passado, educadores e lideranças latino-americanas, têm apresentado uma análise bastante crítica da situação educacional que, para eles, tem vindo carregada de um preconceito pragmático, abstrato e formalista, com orientação fortemente marcada pela manutenção das estruturas injustas. Ao mesmo tempo em que denunciam, anunciam a necessidade de uma educação que trate o educando como sujeito ativo de seu conhecimento.
Revista de Pedagogia
Matéria completa no site www.fe.unb.br/revistadepedagogia




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